27 de abril de 2010

Qual o valor da arte?


O mercado brasileiro de arte contemporânea nunca esteve tão aquecido. O que determina as atuais cifras astronômicas das obras, no entanto, não é apenas sua qualidade intrínseca. O talento e a originalidade dos artistas contam, sim, mas a receita de sucesso inclui ainda promoção, marketing e bons relacionamentos.


Beatriz Milhazes é uma carioca de cabelos revoltos, voz nasalada, meio tímida. Atualmente, é a maior expoente da arte contemporânea brasileira. Sua tela O Mágico, pintada em 2001, foi vendida a um colecionador espanhol por US$ 15 mil. Em 2008, foi colocada novamente à venda num leilão da casa Sotheby’s de Nova York. O lance inicial era de US$ 350 mil. Com sorte, poderia chegar a US$ 700 mil. No final, acabou arrematada por US$ 1,049 milhão – uma valorização de mais de 6 mil % em sete anos. Foi o maior montante já alcançado por uma obra de um artista brasileiro vivo.

A cifra surpreende mas não é, nem de longe, um caso isolado. O mercado brasileiro de arte contemporânea vive uma efervescência sem precedentes, com forte projeção internacional. Em novembro passado, a obra construtivista Relief, de Sergio Camargo, falecido em 1990, foi vendida por US$ 1,594 milhões, também na Sotheby’s. Pinturas, esculturas, fotografias e instalações com assinatura nacional são destaque nos principais leilões e feiras de arte e ganham exposições individuais nos mais importantes museus do mundo. Obras de Ernesto Neto, Vik Muniz e Adriana Varejão alcançam até US$ 400 mil. Nomes como Cildo Meireles, Tunga, Waltercio Caldas, José Resende e Rivane Neuenschwander também dispensam apresentação.

No topo da lista está Beatriz Milhazes, 49 anos. De seu ateliê, formado por duas casas numa rua arborizada no Horto, no Rio de Janeiro, ela tenta explicar, sem falsa modéstia, seu sucesso: “Eu trouxe uma novidade na área da pintura”. Milhazes afirma que a arte brasileira sempre foi consistente, mas só nos últimos anos ganhou destaque, no país e no exterior, devido a uma conjunção de euforia do mercado financeiro, globalização e busca de identidade própria. “Nesse mundo sem fronteiras, as obras precisam ter um sotaque regional. A originalidade, na arte contemporânea, vale tanto quanto a qualidade.”

Ninguém duvida da originalidade e da qualidade de Beatriz Milhazes, dona de uma técnica apurada, reconhecida até por quem acha suas obras repetitivas. Seus desenhos coloridos, repletos de formas geométricas, flores e arabescos, com repertório que remete ao carnaval e modernismo, são pintados em pedaços de plástico e depois reunidos na tela, como num decalque. Alguns trabalhos levam até um ano para ser finalizados.

Mas será que a explosão da arte contemporânea, produzida a partir dos anos 50, tem explicação apenas na qualidade intrínseca das obras? Certamente não. Os altos preços se devem também a um jogo de marketing, divulgação e diferentes interesses. Os críticos e curadores filtram a informação e influenciam o público. Os artistas aprendem desde cedo princípios da autopromoção.

As galerias de arte, as casas de leilão e os colecionadores promovem os criadores e fazem o preço flutuar usando critérios nem sempre muito transparentes. Para muitos investidores, quadros e esculturas tornaram-se um ativo financeiro – embora com muito mais valor estético e afetivo.

[Globo]

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