Para brasileiros, preços baixos são
atrações turísticas. Somos o povo que vai aos Estados Unidos visitar a
Disney e os shoppings de Miami, não necessariamente nessa ordem. E há
quem tire o visto norte-americano somente para visitar os shoppings
mesmo – tem até agência de viagem especializada no pacote compras no
exterior. “Dia 1: Compras no shopping X. Dia dois: shopping Y… Dia 7:
transporte para aeroporto. Compras no free shop”. Em 2012 os brasileiros
gastaram 22 bilhões de reais no exterior. Vou repetir: 22 BILHÕES. O
brasileiro é como aquele ricaço que entra no restaurante e causa tumulto
entre os garçons, que lutam para atendê-lo. Consumimos muito mais do
que viajamos e por isso viajamos menos do que poderíamos. Viramos um
país de contrabandistas, como bem disse a Superinteressante.
Você ficou rico? Como você consegue viajar tanto?
Se eu ganhasse dinheiro toda vez que
escuto essa pergunta eu já teria verba para passar outra temporada na
estrada. Não, passo longe de ser rico. Mesmo assim, eu viajo. E vou
além: viajo bastante porque isso é, muitas vezes, mais
barato do que a vida real, aquele dia a dia chato e sedentário que o
trabalho e as grandes cidades brasileiras nos forçam a ter. Para
mim, viajar não é tão caro. Exemplo: estou me preparando para passar 45
dias na Europa. Quando eu falo meu orçamento de viagem as pessoas têm
uma reação estranha, meio bipolar: elas costumam rir. E rir alto.
Depois, quando percebem que é verdade, elas surtam.
“Você está brincando? Eu gastei isso numa semana, na Argentina! AHHH!”
“Pois é”, respondo.
Choro e ranger de dentes. Pânico. Lamentos. A conversa costuma acabar assim.
Por que eu gasto menos viajando do que
o brasileiro médio? Existem várias explicações para isso, mas quero
destacar uma delas: eu viajo, não compro. Voltei da minha volta ao mundo
com menos de 10 lembrancinhas na mala. Outro dia estive na Argentina e
não comprei nada. O alfajor que comprei lá, comi lá. Não frequento
shoppings durante as férias, a não ser que precise comprar alguma coisa
que terá uso imediato. E não precisa dizer que sou comunista, porque
também não é por aí: apenas invisto minha grana de outra forma. Meu
orçamento de viagem não inclui 2 mil dólares para compras e meu roteiro
não tem nem um dia reservado só pra shoppings.
Pokhara, Nepal
Mas qual a graça então? Viajar e não comprar nada…
Bom, é justamente por isso que eu viajo
mais que a média. No lugar de comprar roupas e eletrônicos, eu guardo
para comprar outra passagem aérea. Outra passagem aérea na promoção,
claro, afinal dinheiro não nasce em árvore. A frase é batida, eu sei,
mas poucas coisas são tão fortes quanto um clichê: aprendi a colecionar
experiências, não objetos. Com o orçamento bem mais leve, consigo viajar
sempre.
E a economia não está só no valor das
compras. Nunca gastei meus suados dólares pagando excesso de bagagem e
não faço ideia de quais são os limites para compras no exterior. Na
Europa, minhas passagens aéreas ficam mais baratas porque eu não preciso
levar malas e mais malas no avião. Assim, posso voar em low costs.
Viajar leve é saudável, até mesmo para o bolso.
Frequentemente a blogosfera produz
textos incríveis. Nos últimos meses, alguns deles falaram sobre assuntos
semelhantes e que podem ser aplicados aqui. O primeiro fala sobre como a classe média alta brasileira é escrava do alto dos supérfluos,
da Adriana Setti. Compramos o que não precisamos, investimos no que não
necessitamos e acabamos escravos das nossas posses. A Adriana garante o
que já falei aqui: viajar pode ser mais barato do que viver uma vida
“normal”. É tudo uma questão de escolha.
Londres
Compramos no exterior para economizar, afinal tudo é tão caro no Brasil
Sim, as coisas são muito caras no Brasil. E não é preciso muito para achar os vilões: nossos impostos são altos e, pior, não têm o retorno dos impostos escandinavos.
Além disso, tem o tal do custo Brasil, fruto dos problemas de
infraestrutura do nosso país, que encarecem a produção. Mas apenas esses
dois motivos não explicam os preços absurdos cobrados aqui. Aí entra
outro texto, do Blog Crash.
O México importa carros. Sabe de onde? Do Brasil. E o carro fabricado
aqui é vendido bem mais barato lá, mesmo com o custo dos impostos deles
(que não são baixos) e com o transporte até a América do Norte. Além dos
vilões tradicionais, outro também merece a culpa: para o brasileiro
comprar é questão de status.
Ter o carro do ano, um tênis de marca ou
uma camisa de grife – isso ainda significa muito no Brasil. Por isso,
pagamos muitas vezes absurdos (parcelados em suaves prestações) por
produtos que nem precisávamos tanto assim. Ora, se tem quem pague mais,
por que diabos o dono abaixaria o preço de um produto?
Antes que você diga que eu mudei de
assunto, explico. Pode até parecer um bom negócio gastar mundos e
fundos em compras no exterior. Mas estamos simplesmente dando mais
velocidade para uma bola de neve que já está rolando morro abaixo: a
bola de neve do status que achamos que as mercadorias dão. Enquanto não
aprendermos a ter bom senso na hora de gastar nosso dinheiro as coisas
serão muito caras no Brasil, mesmo que um milagre aconteça e nossos
políticos resolvam fazer uma reforma tributária.
Roma, Itália
Por falar em bola de neve, o
comportamento consumista do brasileiro durante viagens também pode ser
explicado por uma linha mais cultural: há 30 anos só gente privilegiada
viajava para o exterior. Viajar para a Europa era O Evento, mesmo para a
classe média. Adquirimos o costume de fazer compras lá fora para dar
presentes para quem ficava no Brasil e não tinha perspectivas de visitar
o velho continente tão cedo. Esse costume, de uma época em que as
pessoas faziam questão de estar bem vestidas para entrar no avião, ainda
impera. Conheço quem compre inúmeros presentes para os parentes e
amigos simplesmente porque isso é o que se espera dele.
“Você só trouxe isso? Não comprou nada
pra mim?” Pois é, existe uma pressão social pelo consumismo no exterior.
Só que esse comportamento não tem mais sentido – gastamos com
presentes, mas muitos dos presenteados vão fazer a mesma viagem meses
depois. Com isso, se sentirão obrigados a comprar mais presentes,
alimentando a bola de neve, que ameaça assustadoramente as próximas
viagens de todos.
Vou fazer um acordo com minha família e
meus amigos. Gente, não esperem presentes, roupas ou eletrônicos. Não
vou comprar nada disso. Se comprar, será somente uma lembrancinha, algo
que tenha valor cultural e afetivo e represente o lugar visitado, não
alguma fábrica da China. Com isso, minha viagem vai ficar mais barata.
Espero que a sua também, já que você não vai precisar trazer nada pra
mim. Quem sabe assim não conseguimos viajar de novo em breve, dividindo a
estrada?
Obs: Obviamente, acho perfeitamente
aceitável comprar presentes, seja no Brasil ou fora dele, para pessoas
queridas de forma eventual. O ponto aqui é a necessidade do equilíbrio e
do bom senso, evitando o consumismo.
[360meridianos]
Parabéns, ótimo texto!
ResponderExcluirAndré Luiz