A supremacia do Internet Explorer (IE) está prestes a acabar. Dados
preliminares da consultoria StatCounter, divulgados nesta segunda-feira
(21), mostram que o Chrome, o navegador criado pelo Google, conseguiu
ficar um pouco à frente do browser da Microsoft em uso mundial. Pode ser
apenas uma ultrapassagem temporária, mas uma vitória definitiva do
Google será difícil de evitar. O crescimento do Chrome tem sido contínuo
desde que o software foi anunciado, há três anos.
Usado
por um número cada vez menor de pessoas, o Internet Explorer verá seu
longo domínio virar um capítulo na história da internet. Quando o Chrome
comemorar seu quarto aniversário, em setembro, já terá se transformado
definitivamente no browser mais usado do planeta. A mudança vai iniciar
uma nova era na web, em que a Microsoft passará para o posto de
coadjuvante depois de 13 anos na liderança.
Ao conquistar a maior base de internautas do
mundo, a equipe do Google terá mais força para tentar definir os
padrões que achar convenientes para a web, e os seus rivais precisarão
se ajustar a essas regras. Rodar complexos aplicativos online ficará
mais fácil e haverá mais segurança. Ao mesmo tempo, os dados de
navegação da maior parte dos usuários da rede vão passar pelos
servidores do Google.
O fim do reinado do IE aparece em
projeções matemáticas feitas pela INFO, a partir dos números da
StatCounter coletados de setembro de 2008 a fevereiro de 2012. No
período, a parcela de mercado do navegador da Microsoft caiu de 67% para
36%, enquanto a do Chrome subiu de 1% para 30%. Se a tendência se
mantiver, é certo que o Google chegará ao primeiro lugar em breve. O
número de adeptos do Firefox, da Fundação Mozilla, tem diminuído
lentamente desde novembro de 2010 e, no mês passado, ficou em 25% do
total, o que o mantém na terceira posição. O Safari, da Apple, com
somente 7%, avança devagar e por um bom tempo dificilmente sairá do
quarto lugar.
Por essa o presidente da Microsoft não esperava. Em setembro de 2009,
quando o Chrome tinha um ano de vida e menos de 4% do mercado, Steve
Ballmer ridicularizou seu alcance em entrevista ao site TechCrunch.
“Nosso concorrente de sucesso é, de longe, o Firefox. O Chrome é uma
margem de erro”, disse Ballmer. O IE era usado por 58% dos internautas
na época.
Mas a situação começou a mudar em 2010,
quando surgiram a galeria de extensões do Chrome e as versões estáveis
para Mac OS X e Linux. O ritmo de adoção do browser do Google aumentou
ainda mais em 2011, com a estreia da Chrome Web Store, a loja de
aplicativos.
O Chrome demorou mais tempo para nascer do que
desejavam Larry Page e Sergey Brin, os fundadores do Google. No início
da última década, eles já defendiam a criação de um navegador, mas foram
barrados por Eric Schmidt, então presidente da empresa. Depois de
algumas tentativas, em 2006 Page e Brin montaram um time de talentos,
incluindo ex-desenvolvedores do Netscape e da Fundação Mozilla, com a
desculpa de que ajudariam a melhorar o Firefox e a fazer extensões do
Google e de seus produtos. Foi um golpe de mestre. Com a equipe formada,
criar um navegador tornou-se uma vontade do grupo. Schmidt cedeu e o
Chrome surgiu dois anos depois.
Marketing de resultados
- A simplicidade de uso e a velocidade do programa, presentes desde a
estreia, foram fundamentais para que ganhasse terreno sobre os
concorrentes. Com uma nova versão disponível a cada seis semanas desde
julho de 2010, as inovações tornaram-se bem mais frequentes do que as de
seus rivais.
Parte do sucesso também se deve a um
investimento pesado do Google em marketing. Sempre que alguém entra no
buscador pelo Internet Explorer, uma mensagem no canto superior direito
sugere para o internauta baixar um “navegador mais rápido” – claro, o
Chrome. A empresa apostou ainda em vídeos virais que destacam qualidades
do software ou têm forte apelo emotivo.
Também adotou estratégias agressivas. Passou a fazer campanhas
publicitárias milionárias do browser na TV aberta, inclusive no Brasil.
Anunciou na mídia impressa, em sites, em pontos de ônibus, em estações
de metrô e em outdoors. Na web, uma das campanhas violava regras do
próprio Google, o que levou a companhia a admitir o erro e a aplicar uma
punição de 60 dias a si mesma. Isso ocorreu porque uma empresa
contratada pelo Google pagou para blogs publicarem posts recomendando o
navegador. Pelo menos um deles trazia um link para download.
O truque, revelado em janeiro pelo blog SEO
Book, ajuda um site a subir artificialmente no ranking. Como represália,
a página de download do Chrome teve rebaixado o PageRank, o índice do
Google que determina a relevância em buscas.
Controle da privacidade
- Não são poucos os motivos que levam o Google a querer ter o navegador
mais popular do mundo. “Há muitas razões. A principal delas é que a
maior parte do faturamento da empresa vem de anúncios e buscas. Tudo
isso passa pelo browser. Por isso, eles precisam ter certeza de que o
caminho não está sendo controlado por outra companhia”, disse a INFO
David Mitchell Smith, analista do instituto de pesquisas Gartner. Líder
por mais de uma década com o IE, a Microsoft é a rival a ser combatida.
Outro
motivo para esse comportamento está na vontade de trazer inovações para
a internet, tornando os navegadores mais versáteis. À medida que o
Chrome incorpora funcionalidades, seus concorrentes também têm de se
mexer e melhorar. Isso é bom para os internautas. Durante o longo
reinado do IE 6, a web permaneceu estagnada. Com o surgimento do
Firefox, mais rápido e seguro, a Microsoft foi forçada a reagir. Mas por
trás do progresso trazido pelo Chrome, há o interesse comercial. “Ao
transformar a web em algo mais útil para as pessoas, o Google pode
mostrar mais anúncios para elas”, afirma Smith.
Isso sem falar na quantidade de informações coletadas quando alguém
navega com o Chrome. “O Google coleciona um monte de dados sobre tudo, o
que tem causado uma preocupação cada vez maior”, diz Smith. Ainda que a
empresa afirme não monitorar individualmente os usuários, os hábitos de
cada internauta acabam gerando dados.
O Chrome envia informações para os
servidores da companhia em pelo menos 15 situações, de acordo com os
termos de privacidade da empresa. Não está claro se tudo isso fica
armazenado remotamente, nem quanto tempo leva para ser deletado. Muito
menos se apenas o browser utiliza esses dados. Quando alguém digita
qualquer coisa na barra de endereços, por exemplo, o texto é mandado
para o buscador-padrão, o Google, que pode autocompletar a URL ou
sugerir uma pesquisa. Isso se o internauta não alterar as configurações.
Se
uma pessoa usar a correção ortográfica, a transmissão também acontece.
Para esclarecer esta e outras questões, INFO solicitou ao Google
entrevistas com Sundar Pichai, vice-presidente sênior para o Chrome, Ben
Goodger e Darin Fischer, engenheiros de software que integram a equipe
de desenvolvimento do navegador. Mas o Google afirmou que seus técnicos
não estavam disponíveis.
No ano passado, durante o anúncio
dos resultados financeiros do primeiro trimestre, Patrick Pichette,
vice-presidente sênior e diretor financeiro do Google, explicou por que o
browser é importante para a empresa: “O Chrome faz a web avançar.
Quando as pessoas o adotam, em vez de ficarem procurando um jeito de
fazer buscas, elas têm acesso direto ao buscador do Google pela omnibox
(a barra de endereços). Todo mundo que usa o Chrome torna-se dependente
de nós, em relação a ter acesso ao Google”.
O investimento
pesado em publicidade para promover o browser tem funcionado. Durante a
mesma divulgação de resultados, Nikesh Arora, vice-presidente sênior e
diretor de negócios da companhia, afirmou que 40% dos 120 milhões de
usuários que aderiram ao Chrome em 2010 o fizeram por causa dos esforços
de marketing. “Continuaremos a incentivar o Chrome estrategicamente,
porque ele não nos traz um único benefício: causa impacto em muitos de
nossos outros produtos, que funcionam como parte do Chrome. O valor de
um usuário do Chrome é fenomenal”, afirmou.
Concorrência forte - Ainda que o crescimento do
Chrome seja acelerado, David Smith, do Gartner, não acredita em
monopólio. “Há três concorrentes muito fortes hoje. Não vamos retornar
aos dias em que o Internet Explorer tinha 90% do mercado”, diz.
Ao contrário do que ocorreu com o Netscape,
que teve um fim trágico, Firefox e IE vão continuar a ser relevantes,
com uma enorme base de usuários. Um dos grandes desafios do Google está
em conquistar o mercado americano, ainda liderado pelo navegador da
Microsoft. No Brasil, o browser do Google chegou ao topo no ano passado.
Mesmo
que não atinja um grau de dominação similar ao do IE, o Chrome poderá
impor novos padrões à medida que se distanciar dos competidores. Entre
as mudanças defendidas pelo Google está a adoção da linguagem Dart,
criada pela empresa. Ela substituiria o JavaScript para criar
aplicativos.
“Tenho receio de que, com o Dart, o Google vai
dividir a comunidade de desenvolvedores e fragmentar o conteúdo na web.
Garanto que Apple, Microsoft, Opera e Mozilla nunca vão adicionar a
linguagem a seus browsers”, escreveu Brendan Eich, criador do JavaScript
e diretor de tecnologia da Mozilla Corporation, ao site Hacker News.
“Então, ‘Funciona melhor no Chrome’ ou até ‘Só funciona no Chrome’ serão
novas normas decretadas pelo Google."
A capacidade do
Chrome de rodar aplicativos online cada vez mais complexos pode se
tornar uma vantagem competitiva e forçar os outros navegadores a
incorporar essa habilidade. A estreia do game From Dust, da Ubisoft, na
loja de aplicativos Chrome Web Store deve ocorrer em breve.
No
jogo de estratégia, o jogador assume o papel de uma entidade divina que
deve salvar uma tribo. Mas o que há de especial nisso? Embora os
cenários estejam em 3D, o programa roda no browser, algo impensável até
pouco tempo para um jogo como esse. A equipe de desenvolvimento do
Google conseguiu incorporar o Native Client ao Chrome, uma tecnologia
que permite a execução de programas mais pesados.
Tudo roda no browser
- A mudança abre espaço para a ideia do Google de transformar o browser
em um sistema operacional. A crença de que o centro de nossas vidas
será a web foi outro motivo para a criação do navegador. Sob esse ponto
de vista, instalar programas é uma necessidade. A Chrome Web Store
funciona como uma loja de aplicativos tradicional, com um modelo
inspirado no dos smartphones. Apesar das limitações, tem dado certo. O
Graphic.ly, uma plataforma online que permite comprar e ler quadrinhos,
está disponível para o Chrome, mas pode ser acessada por qualquer
browser.
A maior quantidade de visitantes, contudo, chega pelo navegador do
Google. “Sou fã do apoio que eles dão, tanto para criar um aplicativo
como para promovê-lo”, diz Micah Baldwin, presidente da Graphic.ly. Para
ele, ainda faltam alguns ajustes para que os programas do Chrome
ofereçam uma experiência mais completa.
Contra o Windows - O
desdobramento desse conceito são os Chromebooks, laptops com hardware
mais básico cujo sistema operacional é uma versão mais simples do Linux,
capaz de rodar apenas o navegador Chrome. Os notebooks, que começaram a
ser vendidos nos Estados Unidos em junho passado, ligam em cerca de 10
segundos, mas só aceitam aplicativos da Web Store. Além de rápidos, os
computadores recebem atualizações automaticamente e usam tecnologia que
os tornam mais seguros que um PC com Windows. Em contrapartida, ter uma
conexão com a internet é fundamental para usar boa parte dos recursos.
A
ideia do Google é competir com a Microsoft, mas, pelo menos até agora,
os Chromebooks não obtiveram sucesso. Apenas quatro modelos foram
produzidos, por Samsung e Acer. Isso não quer dizer que o conceito tenha
fracassado. Nos Estados Unidos, a prefeitura de Orlando integra
projeto-piloto com 650 laptops do Google. Os resultados têm sido bons.
“Eles são seguros e não precisam de muita manutenção”, diz Rosa
Akhtarkhavari, responsável pela TI da prefeitura de Orlando.
Embora
seguros, o Chrome e os Chromebooks não são invulneráveis. A empresa
francesa Vupen demonstrou, em março, numa competição de hackers no
Canadá, que é possível driblar um dos principais recursos de segurança
do browser, o sandbox. “Levamos seis semanas para fazer. Queríamos
mostrar que qualquer navegador pode ser comprometido se houver tempo,
recursos e motivação para isso”, disse Chaouki Bekrar, presidente da
Vupen. O sandbox funciona como uma caixa de contenção contra ameaças. Se
um site perigoso é acessado, essa tecnologia impede o código malicioso
de ler os dados do PC ou de se instalar no computador.
Para
Bekrar, o fato de o Chrome estar prestes a se tornar o mais usado no
mundo é uma boa notícia. “Como não temos visto em circulação nenhum tipo
de código malicioso que se aproveite de uma vulnerabilidade do Chrome, a
internet vai se tornar mais segura”, afirma. Mas a próxima versão do
Internet Explorer, que virá com o Windows 8, promete um grau ainda maior
de proteção. Pelo visto, a guerra dos browsers ainda está bem longe de
terminar.
[Info]
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