Quando subiu ao pódio para receber sua medalha de ouro, após a
vitória sobre a Croácia na final do basquete nas Olimpíadas de
Barcelona, em 1992, Michael Jordan vivenciava uma situação ao mesmo
tempo prazerosa e dura. Foi como voltar à realidade após acordar de um
sonho inesquecível. Durante aproximadamente dois meses, o time dos
Estados Unidos trucidou todos os adversários que enfrentou (no torneio
classificatório e nas Olimpíadas), vencendo por uma média de 44 pontos
de diferença. O Dream Team (Time dos Sonhos), no entanto, chegava ao fim
logo após conquistar seu maior feito, na verdade uma missão: a medalha
de ouro. A partir dali, ele só seria visto novamente em nossas
lembranças, que se reavivaram neste ano em que a façanha do esquadrão
completa 20 anos. O sentimento de todos que assistiram, in loco ou pela
TV, ou que simplesmente ouviram falar do Dream Team é a mesma: nunca
haverá nada igual na história do esporte.
— Aquela equipe foi
escolhida para mostrar que o basquetebol americano era
incontestavelmente o melhor do mundo, depois de alguns revezes que
começaram com a nossa vitoria em Indianápolis, em 1987. Todos eles,
dirigentes, técnicos e atletas, vieram com toda a gana possível, como se
dissessem “de agora em diante todos saberão quem possui o melhor
basquetebol do mundo em todos os sentidos” — avalia José Medalha,
técnico da seleção brasileira que enfrentou os EUA em Barcelona.
A
vitória a que Medalha se refere aconteceu na final do Pan-Americano de
Indianápolis, na casa dos americanos. Um ano depois, nas Olimpíadas de
Seul, uma derrota para a União Soviética na semifinal e o terceiro lugar
na classificação feriram ainda mais o orgulho americano. Até então,
segundo norma da Federação Internacional de Basquete (Fiba) somente
atletas amadores estavam aptos a disputar as Olimpíadas. Com isso, os
jogadores da liga profissional norte-americana, a NBA, não podiam
representar os EUA nos Jogos, o que não impediu que os ianques
conquistassem a medalha de ouro em 1984, por exemplo. No entanto, em
1989, a Fiba determinou que, a partir das Olimpíadas de Barcelona, seria
permitida a utilização de profissionais — em outras palavras, atletas
da NBA. Com o prestígio arranhado pelas derrotas recentes, os americanos
concentraram-se então em montar a melhor equipe possível.
No
documentário “The Dream Team”, exibido pela TV da NBA em junho, Rod
Thorn, executivo da liga à época, admitiu que a grande tarefa foi
convencer Michael Jordan a fazer parte do time. O armador do Chicago
Bulls já era a grande estrela da liga (o melhor jogador de basquete de
todos os tempos), mas já havia participado da campanha vencedora em Los
Angeles-1984 e parecia não ter motivação para atuar de novo. O próprio
Jordan admitiu no documentário: “Esperava que não chamassem para jogar.
Ficava pensando em uma maneira de recusar o convite de forma gentil”,
confessou. O melhor jogador do planeta impôs uma condição: só jogaria
acompanhado por outros atletas de alto nível. Thorn então procurou Magic
Johnson, que pouco depois descobriria ser portador do vírus HIV. O
ídolo do Lakers, que anunciou sua aposentadoria a partir da notícia,
disse “sim” prontamente ao convite, sendo seguido por outro veterano
lendário, Larry Bird. As confirmações de grandes estrelas foram se
acumulando, até que tudo voltou ao ponto de partida: Jordan. Com tantas
presenças de peso, ele não hesitou em se integrar ao supertime.
Shaquille O’Neal quase entra no time
Em
setembro de 1991, a pouco menos de um ano das Olimpíadas, o grupo
estava praticamente fechado. Restavam apenas duas vagas. Uma seria
destinada a um universitário. Numa surpresa, Christian Laettner, da
universidade de Duke, ganhou a disputa com Shaquille O’Neal (futuro
superpivô quatro vezes campeão da liga) e garantiu seu lugar. A outra
vaga estava entre os armadores Clyde Drexler, do Portland Trail Blazers,
e Isiah Thomas, do Detroit Pistons, que apesar de melhor jogador na
opinião unânime dos especialistas, foi preterido, na primeira polêmica
na formação do time. O armador era o grande representante dos chamados
“Bad Boys” de Detroit, que rivalizavam na Conferência Leste com o
Chicago de Michael Jordan. O estilo de jogo defensivo que não abria mão
de jogadas sujas cultivou detratores por toda a liga — a ponto de muitos
atletas não queriam a presença de Thomas na seleção. Jordan, claro, era
o mais importante deles.
— Eu desprezava a maneira como Isiah
jogava. Eu não queria que ele fizesse parte do time e creio que Michael
(Jordan) também não — disse Scottie Pippen, companheiro de Jordan no
Chicago Bulls, no documentário da NBA TV.
Com o elenco fechado, o
Dream Team partiu para uma temporada de treinos antes da disputa do
torneio classificatório para Barcelona, jogado em Portland (EUA), um mês
antes das Olimpíadas. A definição de time dos sonhos, na verdade,
surgira muito antes de a equipe estar formada. Em seu livro “Dream Team:
Como Michael, Magic, Larry, Charles e o maior time de todos os tempos
conquistaram o mundo e mudaram o basquete para sempre”, lançado nos EUA
em julho, o jornalista Jack Mc Callum, que cobria o dia a dia da NBA no
começo da década de 1990, revela que em fevereiro de 1991, quando
trabalhava para a revista “Sports Illustrated”, teve a ideia de montar o
que seria o provável time dos EUA para Barcelona em uma matéria de
capa. Depois de conseguir juntar Jordan, Magic, Barkley, Ewing e Malone —
o quinteto que ele imaginava titular — para uma foto, durante o fim de
semana do Jogos das Estrelas em Charlotte, McCallum abriu a reportagem
fazendo referência ao “sonho” de ver aquele time junto um ano depois. A
repetição da palavra duas vezes foi o chamariz para que os editores da
revista estampassem na capa a expressão “Dream Team”, ao lado do logo da
“SI”. A expressão acabou se tornando a identidade do time.
Em
Portland, os EUA venceram seus seis jogos por uma média de 50 pontos de
diferença. As partidas eram verdadeiros eventos, em que os jogadores dos
times adversários pediam para tirar fotos com os atletas americanos. Em
julho de 1992, a equipe desembarcou em Barcelona sob forte esquema de
segurança. A preocupação com eventuais atentados contra as estrelas
também fez o Dream Team não se hospedar na Vila Olímpica como o resto da
delegação, optando por um hotel luxuoso, para onde levaram suas
famílias. Começava a era dos popstars olímpicos.
Batalha de egos
Charles
Barkley, um dos mais polêmicos atletas do time, gostava de dar
declarações fortes à imprensa. “Não sei nada sobre Angola, mas eles
terão problemas”, disparou antes da estreia. Durante a partida, quem
teve problemas foi Barkley, cujo temperamento explosivo ficou evidente
quando acertou uma cotovelada em um adversário. Os atletas americanos
não eram santos. Os treinos eram verdadeiras batalhas de egos, em que
Jordan, por exemplo, queria superar Magic e Barkley buscava provar que
era melhor que Karl Malone. Quando entravam em quadra, no entanto, não
havia outra palavra para definir o que se via: era um espetáculo.
Na
terceira partida da primeira fase, os EUA enfrentaram o Brasil de Oscar
Schmidt e venceram por 127 a 83. Os brasileiros sustentaram a liderança
até se completarem cinco minutos de jogo, quando os americanos
deslancharam. Tentando implementar uma marcação por zona, o time
verde-amarelo, na verdade, queria apenas evitar maiores estragos.
—
Não havia jeito de ganhar. Para muitos da seleção, foi uma honra estar
na quadra aquele dia por poder jogar com nossos ídolos da NBA. Todos que
estavam lá brigavam apenas pela medalha de prata — diz o pivô Rolando,
primeiro brasileiro a jogar na NBA (defendeu o Portland Trail Blazers
entre 1988 e 90).
Durante aquela noite em Barcelona, pequenos
gestos representaram grandes lembranças para os brasileiros. O técnico
José Medalha recorda com carinho o aperto de mão que recebeu de Chuck
Daly, treinador americano. Já o armador Guerrinha lembra de ter marcado
Michael Jordan em algumas posses de bola e se impressionado com a
envergadura de Scottie Pippen. Guerrinha não esquece um episódio curioso
com o falastrão Charles Barkley durante o jogo.
— Em um
contra-ataque, como eu era o armador, fui o último a voltar. Dei um tapa
bem forte no Barkley, pois estávamos encarando a partida de maneira
séria. Ele começou a me xingar em inglês e eu conseguia entender tudo o
que ele dizia. Já eu respondia xingando-o em português e ele nem
imaginava o que eu estava lhe dizendo — lembra, rindo, o armador.
Reconhecido
por alguns atletas americanos como um dos grandes cestinhas da época,
Oscar Schmidt reitera que a diferença do time americano para os outros
era evidente.
— Só o nome deles já intimidava. A defesa também
estava em outro nível. Fisicamente, não havia como compará-los a nenhum
outro time. Eu pensava: “Já que vamos perder, vou dar o melhor de mim”.
Pude marcar e ser marcado pelo Larry Bird, meu maior ídolo — relembra o
melhor jogador brasileiro da História.
Comparação com o Dream Team atual
Comparações,
aliás, vêm à tona toda vez que os EUA montam um time para as
Olimpíadas. Em 2008, a equipe que conquistou o ouro em Pequim foi
chamada de Time da Redenção e contava com estrelas como Lebron James e
Kobe Bryant. O segundo, aliás, alimentou uma polêmica na mídia americana
ao dizer acreditar que o time de 2012, que chega a Londres com seis
desfalques, poderia derrotar o Dream Team. Para ele, o time atual teria
problemas por ter poucos atletas altos, mas o porte físico avantajado e a
agilidade poderiam compensar o desnível de estatura. Em resposta,
Michael Jordan e Charles Barkley disseram ter dado muitas risadas ao
ouvirem as declarações do armador do Lakers.
Para o jornalista
Marc Stein, da ESPN americana, a performance de 1992 jamais será
repetida, levando em consideração também que não há tanto desequilíbrio
entre as equipes na atualidade. Stein destaca inclusive a relevância
cultural daquele time.
— Na realidade, isto importa muito mais do
que as questões basquetebolísticas. Não há por que comparar o time de
hoje àquele, porque o nível de competitividade é muito maior agora. O
Brasil, por exemplo, com três grandes pivôs (Nenê, Tiago Splitter e
Anderson Varejão) e um grande técnico (o argentino Ruben Magnano), é um
confronto dos pesadelos para os EUA. Mesmo com Oscar Schmidt no plantel,
ninguém pensaria algo parecido em 1992. Os tempos mudaram — constata o
jornalista.
Para Guerrinha, as diferenças entre os times
americanos e os demais decresceram ultimamente, em virtude também de uma
mudança no estilo de jogo.
— Uma performance como aquela nunca
mais será repetida. A diferença física era muito grande, hoje nem tanto.
Antigamente, o talento e a força física eram grandes diferenciais. Na
atualidade, a parte tática ganhou importância e isso todas as equipes
podem desenvolver bem — diz o ex-armador.
Estrangeiros na NBA
A
partir daquele time, cada vez mais atletas estrangeiros desembarcavam
nos EUA para jogar na NBA. Rolando destaca que esta experiência de jogar
contra os melhores do mundo torna o basquete atual muito mais
equilibrado. No entanto, para Oscar, há gente do time atual que teria
vaga naquele time.
— Para mim, no time de todos os tempos,
entrariam Kobe Bryant e Lebron James, além do pivô Shaquille O’Neal. Mas
concordo que Kobe exagerou um pouco — diz Schmidt.
Um dos grandes
sinais da relevância do Dream Team para o basquete mundial é a inclusão
de 11 dos 12 integrantes daquele time no Hall da Fama do basquete
americano. Somente Christian Laettner — que cumpriu carreira mediana na
NBA — não foi condecorado. Para Marc Stein, o legado do Dream Team é
imensurável. A superseleção foi a responsável por botar na cabeça de
jovens do mundo inteiro o sonho de um dia jogar basquete.
— Aquele
time estava tão à frente dos outros de sua época que, para mim, as
qualidades que o levaram a ganhar pouco importam. Eles já tinham a
medalha ganha antes de chegar à Espanha. O que significa mais é pensar
nos 20 anos que se passaram e no que aconteceu no mundo desde então.
Alguns jogadores, como o alemão Dirk Nowitzki (que já foi eleito o
melhor da NBA uma vez), cuja carreira em Dallas eu acompanhei o tempo
todo, nunca teriam nos brindado com seu jogo se não fosse o Dream Team.
Ele desistiu de jogar handebol e tênis quando era criança porque aquele
time o inspirou a jogar basquete. Para mim, esse é o grande legado do
Dream Team.
[Globo]
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