28 de julho de 2012

Brasileiros relembram o Dream Team que completa 20 anos

Quando subiu ao pódio para receber sua medalha de ouro, após a vitória sobre a Croácia na final do basquete nas Olimpíadas de Barcelona, em 1992, Michael Jordan vivenciava uma situação ao mesmo tempo prazerosa e dura. Foi como voltar à realidade após acordar de um sonho inesquecível. Durante aproximadamente dois meses, o time dos Estados Unidos trucidou todos os adversários que enfrentou (no torneio classificatório e nas Olimpíadas), vencendo por uma média de 44 pontos de diferença. O Dream Team (Time dos Sonhos), no entanto, chegava ao fim logo após conquistar seu maior feito, na verdade uma missão: a medalha de ouro. A partir dali, ele só seria visto novamente em nossas lembranças, que se reavivaram neste ano em que a façanha do esquadrão completa 20 anos. O sentimento de todos que assistiram, in loco ou pela TV, ou que simplesmente ouviram falar do Dream Team é a mesma: nunca haverá nada igual na história do esporte.

— Aquela equipe foi escolhida para mostrar que o basquetebol americano era incontestavelmente o melhor do mundo, depois de alguns revezes que começaram com a nossa vitoria em Indianápolis, em 1987. Todos eles, dirigentes, técnicos e atletas, vieram com toda a gana possível, como se dissessem “de agora em diante todos saberão quem possui o melhor basquetebol do mundo em todos os sentidos” — avalia José Medalha, técnico da seleção brasileira que enfrentou os EUA em Barcelona.

A vitória a que Medalha se refere aconteceu na final do Pan-Americano de Indianápolis, na casa dos americanos. Um ano depois, nas Olimpíadas de Seul, uma derrota para a União Soviética na semifinal e o terceiro lugar na classificação feriram ainda mais o orgulho americano. Até então, segundo norma da Federação Internacional de Basquete (Fiba) somente atletas amadores estavam aptos a disputar as Olimpíadas. Com isso, os jogadores da liga profissional norte-americana, a NBA, não podiam representar os EUA nos Jogos, o que não impediu que os ianques conquistassem a medalha de ouro em 1984, por exemplo. No entanto, em 1989, a Fiba determinou que, a partir das Olimpíadas de Barcelona, seria permitida a utilização de profissionais — em outras palavras, atletas da NBA. Com o prestígio arranhado pelas derrotas recentes, os americanos concentraram-se então em montar a melhor equipe possível.

No documentário “The Dream Team”, exibido pela TV da NBA em junho, Rod Thorn, executivo da liga à época, admitiu que a grande tarefa foi convencer Michael Jordan a fazer parte do time. O armador do Chicago Bulls já era a grande estrela da liga (o melhor jogador de basquete de todos os tempos), mas já havia participado da campanha vencedora em Los Angeles-1984 e parecia não ter motivação para atuar de novo. O próprio Jordan admitiu no documentário: “Esperava que não chamassem para jogar. Ficava pensando em uma maneira de recusar o convite de forma gentil”, confessou. O melhor jogador do planeta impôs uma condição: só jogaria acompanhado por outros atletas de alto nível. Thorn então procurou Magic Johnson, que pouco depois descobriria ser portador do vírus HIV. O ídolo do Lakers, que anunciou sua aposentadoria a partir da notícia, disse “sim” prontamente ao convite, sendo seguido por outro veterano lendário, Larry Bird. As confirmações de grandes estrelas foram se acumulando, até que tudo voltou ao ponto de partida: Jordan. Com tantas presenças de peso, ele não hesitou em se integrar ao supertime.

Shaquille O’Neal quase entra no time
Em setembro de 1991, a pouco menos de um ano das Olimpíadas, o grupo estava praticamente fechado. Restavam apenas duas vagas. Uma seria destinada a um universitário. Numa surpresa, Christian Laettner, da universidade de Duke, ganhou a disputa com Shaquille O’Neal (futuro superpivô quatro vezes campeão da liga) e garantiu seu lugar. A outra vaga estava entre os armadores Clyde Drexler, do Portland Trail Blazers, e Isiah Thomas, do Detroit Pistons, que apesar de melhor jogador na opinião unânime dos especialistas, foi preterido, na primeira polêmica na formação do time. O armador era o grande representante dos chamados “Bad Boys” de Detroit, que rivalizavam na Conferência Leste com o Chicago de Michael Jordan. O estilo de jogo defensivo que não abria mão de jogadas sujas cultivou detratores por toda a liga — a ponto de muitos atletas não queriam a presença de Thomas na seleção. Jordan, claro, era o mais importante deles.

— Eu desprezava a maneira como Isiah jogava. Eu não queria que ele fizesse parte do time e creio que Michael (Jordan) também não — disse Scottie Pippen, companheiro de Jordan no Chicago Bulls, no documentário da NBA TV.

Com o elenco fechado, o Dream Team partiu para uma temporada de treinos antes da disputa do torneio classificatório para Barcelona, jogado em Portland (EUA), um mês antes das Olimpíadas. A definição de time dos sonhos, na verdade, surgira muito antes de a equipe estar formada. Em seu livro “Dream Team: Como Michael, Magic, Larry, Charles e o maior time de todos os tempos conquistaram o mundo e mudaram o basquete para sempre”, lançado nos EUA em julho, o jornalista Jack Mc Callum, que cobria o dia a dia da NBA no começo da década de 1990, revela que em fevereiro de 1991, quando trabalhava para a revista “Sports Illustrated”, teve a ideia de montar o que seria o provável time dos EUA para Barcelona em uma matéria de capa. Depois de conseguir juntar Jordan, Magic, Barkley, Ewing e Malone — o quinteto que ele imaginava titular — para uma foto, durante o fim de semana do Jogos das Estrelas em Charlotte, McCallum abriu a reportagem fazendo referência ao “sonho” de ver aquele time junto um ano depois. A repetição da palavra duas vezes foi o chamariz para que os editores da revista estampassem na capa a expressão “Dream Team”, ao lado do logo da “SI”. A expressão acabou se tornando a identidade do time.

Em Portland, os EUA venceram seus seis jogos por uma média de 50 pontos de diferença. As partidas eram verdadeiros eventos, em que os jogadores dos times adversários pediam para tirar fotos com os atletas americanos. Em julho de 1992, a equipe desembarcou em Barcelona sob forte esquema de segurança. A preocupação com eventuais atentados contra as estrelas também fez o Dream Team não se hospedar na Vila Olímpica como o resto da delegação, optando por um hotel luxuoso, para onde levaram suas famílias. Começava a era dos popstars olímpicos.

Batalha de egos
Charles Barkley, um dos mais polêmicos atletas do time, gostava de dar declarações fortes à imprensa. “Não sei nada sobre Angola, mas eles terão problemas”, disparou antes da estreia. Durante a partida, quem teve problemas foi Barkley, cujo temperamento explosivo ficou evidente quando acertou uma cotovelada em um adversário. Os atletas americanos não eram santos. Os treinos eram verdadeiras batalhas de egos, em que Jordan, por exemplo, queria superar Magic e Barkley buscava provar que era melhor que Karl Malone. Quando entravam em quadra, no entanto, não havia outra palavra para definir o que se via: era um espetáculo.

Na terceira partida da primeira fase, os EUA enfrentaram o Brasil de Oscar Schmidt e venceram por 127 a 83. Os brasileiros sustentaram a liderança até se completarem cinco minutos de jogo, quando os americanos deslancharam. Tentando implementar uma marcação por zona, o time verde-amarelo, na verdade, queria apenas evitar maiores estragos.

— Não havia jeito de ganhar. Para muitos da seleção, foi uma honra estar na quadra aquele dia por poder jogar com nossos ídolos da NBA. Todos que estavam lá brigavam apenas pela medalha de prata — diz o pivô Rolando, primeiro brasileiro a jogar na NBA (defendeu o Portland Trail Blazers entre 1988 e 90).

Durante aquela noite em Barcelona, pequenos gestos representaram grandes lembranças para os brasileiros. O técnico José Medalha recorda com carinho o aperto de mão que recebeu de Chuck Daly, treinador americano. Já o armador Guerrinha lembra de ter marcado Michael Jordan em algumas posses de bola e se impressionado com a envergadura de Scottie Pippen. Guerrinha não esquece um episódio curioso com o falastrão Charles Barkley durante o jogo.

— Em um contra-ataque, como eu era o armador, fui o último a voltar. Dei um tapa bem forte no Barkley, pois estávamos encarando a partida de maneira séria. Ele começou a me xingar em inglês e eu conseguia entender tudo o que ele dizia. Já eu respondia xingando-o em português e ele nem imaginava o que eu estava lhe dizendo — lembra, rindo, o armador.

Reconhecido por alguns atletas americanos como um dos grandes cestinhas da época, Oscar Schmidt reitera que a diferença do time americano para os outros era evidente.

— Só o nome deles já intimidava. A defesa também estava em outro nível. Fisicamente, não havia como compará-los a nenhum outro time. Eu pensava: “Já que vamos perder, vou dar o melhor de mim”. Pude marcar e ser marcado pelo Larry Bird, meu maior ídolo — relembra o melhor jogador brasileiro da História.

Comparação com o Dream Team atual
Comparações, aliás, vêm à tona toda vez que os EUA montam um time para as Olimpíadas. Em 2008, a equipe que conquistou o ouro em Pequim foi chamada de Time da Redenção e contava com estrelas como Lebron James e Kobe Bryant. O segundo, aliás, alimentou uma polêmica na mídia americana ao dizer acreditar que o time de 2012, que chega a Londres com seis desfalques, poderia derrotar o Dream Team. Para ele, o time atual teria problemas por ter poucos atletas altos, mas o porte físico avantajado e a agilidade poderiam compensar o desnível de estatura. Em resposta, Michael Jordan e Charles Barkley disseram ter dado muitas risadas ao ouvirem as declarações do armador do Lakers.

Para o jornalista Marc Stein, da ESPN americana, a performance de 1992 jamais será repetida, levando em consideração também que não há tanto desequilíbrio entre as equipes na atualidade. Stein destaca inclusive a relevância cultural daquele time.

— Na realidade, isto importa muito mais do que as questões basquetebolísticas. Não há por que comparar o time de hoje àquele, porque o nível de competitividade é muito maior agora. O Brasil, por exemplo, com três grandes pivôs (Nenê, Tiago Splitter e Anderson Varejão) e um grande técnico (o argentino Ruben Magnano), é um confronto dos pesadelos para os EUA. Mesmo com Oscar Schmidt no plantel, ninguém pensaria algo parecido em 1992. Os tempos mudaram — constata o jornalista.

Para Guerrinha, as diferenças entre os times americanos e os demais decresceram ultimamente, em virtude também de uma mudança no estilo de jogo.

— Uma performance como aquela nunca mais será repetida. A diferença física era muito grande, hoje nem tanto. Antigamente, o talento e a força física eram grandes diferenciais. Na atualidade, a parte tática ganhou importância e isso todas as equipes podem desenvolver bem — diz o ex-armador.

Estrangeiros na NBA
A partir daquele time, cada vez mais atletas estrangeiros desembarcavam nos EUA para jogar na NBA. Rolando destaca que esta experiência de jogar contra os melhores do mundo torna o basquete atual muito mais equilibrado. No entanto, para Oscar, há gente do time atual que teria vaga naquele time.

— Para mim, no time de todos os tempos, entrariam Kobe Bryant e Lebron James, além do pivô Shaquille O’Neal. Mas concordo que Kobe exagerou um pouco — diz Schmidt.

Um dos grandes sinais da relevância do Dream Team para o basquete mundial é a inclusão de 11 dos 12 integrantes daquele time no Hall da Fama do basquete americano. Somente Christian Laettner — que cumpriu carreira mediana na NBA — não foi condecorado. Para Marc Stein, o legado do Dream Team é imensurável. A superseleção foi a responsável por botar na cabeça de jovens do mundo inteiro o sonho de um dia jogar basquete.

— Aquele time estava tão à frente dos outros de sua época que, para mim, as qualidades que o levaram a ganhar pouco importam. Eles já tinham a medalha ganha antes de chegar à Espanha. O que significa mais é pensar nos 20 anos que se passaram e no que aconteceu no mundo desde então. Alguns jogadores, como o alemão Dirk Nowitzki (que já foi eleito o melhor da NBA uma vez), cuja carreira em Dallas eu acompanhei o tempo todo, nunca teriam nos brindado com seu jogo se não fosse o Dream Team. Ele desistiu de jogar handebol e tênis quando era criança porque aquele time o inspirou a jogar basquete. Para mim, esse é o grande legado do Dream Team.

[Globo]

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