A segunda parte do especial Melhores Filmes de Tecnologia de Todos os Tempos vem recheada de clássicos não só da ficção científica, mas da própria história do cinema. É o caso, por exemplo, de 2001 – Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick – para muitos críticos um dos melhores longas da história- , ou de Blade Runner, obra de Ridley Scott que se tornou um emblema cult na década de 1980.
Nesta seleção, veremos que a filosofia pode se revestir de ficção científica para tratar de temas caros, como o real e o virtual, guerra cibernética e os efeitos colaterais de uma sociedade que se quer tecnológica mas que ao mesmo tempo se degrada social e moralmente.
Jogos de Guerra (War Games, 1983) – “Isso é um jogo ou é real?”, pergunta o garoto David Lightman. “Qual a diferença?”, responde WOPR, o computador. No caso de Jogos de Guerra, faz toda a diferença.
A obra dirigida por John Badhmam tem como protagonista um hacker juvenil, interpretado por Matthew Broderick, que é capaz de entrar em sistemas os mais avançados para fazer estripulias, como alterar suas notas na escola. Certa vez ele consegue acessar o banco de dados de uma fabricante de videogames e descobre um jogo chamado Guerra Termonuclear Global.
A situação torna-se dramática quando David acidentalmente entra no computador do Departamento de Guerra dos EUA, e a simulação do jogo sobre guerra nuclear é entendida pelos militares americanos como uma ameaça real de ataque por parte dos russos (detalhe: o ator Barry Corbin, que interpreta o general Jack Beringer, é uma espécie de sósia do apresentador de TV José Luiz Datena).
Com os ecos da Guerra Fria como pano de fundo, Jogos de Guerra trata ao mesmo tempo dos absurdos da corrida bélica e dos limites da relação homem-máquina no começo da era dos computadores pessoais: quem controla o “jogo”, nós ou o cérebro eletrônico?
War Games, 1983
2001 – Uma Odisséia no Espaço (Space Odissey, 1968) – Revolucionária, esta obra-prima dirigida e escrita Stanley Kubrick – o roteiro também é assinado pelo escritor de ficção científica Arthur Clarke – é uma das mais influentes na história do cinema.
Ao abordar a evolução do homem, partindo dos mais distantes ancestrais da espécie humana à era espacial, Uma Odisséia no Espaço marca uma mudança profunda nos filmes de ficção científica, seja pela linguagem adotada (apenas cerca de um terço do longa tem diálogos, por exemplo), seja pelo olhar metafísico que insere nas obras do gênero. Um filme filosófico-espacial, como define Amir Labaki, autor do livro 2001 – Uma Odisséia no Espaço, da coleção Folha Explica.
Um dos pontos altos da obra é o computador inteligente HAL, talvez o maior “personagem-máquina” da história do cinema.
Para alguns críticos da época, o nome do computador seria uma alusão à IBM – as iniciais da HAL são exatamente as que antecedem as letras do nome da companhia americana. “2001 – Uma Odisséia no Espaço” exige que o espectador se entregue, pois tem um ritmo que para alguns pode ser considerado lento.
Mas quem se deixar levar e liberar a imaginação, apreciará um espetáculo cinematográfico inesquecível.
2001 – Uma Odisséia no Espaço, 1968
Blade Runner (O Caçador de Andróides, 1982) – Com uma ambientação que remete aos filmes noir, numa Los Angeles opressiva e de ecossistema devastado, em 2019, Blade Runner nos mostra um cenário futurista em que alta tecnologia e decadência social caminham lado a lado.
Harrison Ford faz o detetive Richard Deckard, responsável por caçar replicantes assassinos, chamados de Nexus 6, criados por uma megacorporação.
Eles foram concebidos de modo que se pareçam com os humanos, embora mais fortes e mais ágeis e com um tempo de vida de apenas quatro anos.
Baseado numa novela de Phillip K. Dick (Do androids dream of eletric sheep?) e dirigido por Ridley Scott, Blade Runner projeta um futuro amedrontador, poluído e com grandes abismos sociais. É nesse contexto que se dá reflexão sobre o que é a identidade numa era pós-humana, quando a vida parece não fazer mais sentido.
Blade Runner, 1982
Matrix – (Matrix, 1999) – Os irmãos Andy e Larry Wachowski são os responsáveis por um filme que é um dos marcos iniciais da primeira década digital. O longa de estréia da trilogia foi lançado em 1999, período em que começaram a se desenhar melhor os contornos da sociedade em rede, cujos reflexos são sentidos com maior intensidade agora nos negócios, na comunicação e na cultura.
Em ritmo de videogame e de golpes de kung fu cibernético, Matrix aborda a fluidez entre o real e o virtual e relembra velhos mitos, como o do Messias – caracterizado como um hacker interpretado por Keanu Reeves – que tem a missão de salvar o mundo do embate entre humanos e máquinas superinteligentes.
A obra não marcou época somente por sua qualidade estética, mas também por promover a interação de uma série de produtos em diferentes plataformas, como videogame online, procura de pistas sobre o filme na web e histórias paralelas reveladas em curtas de animação baixados na rede.
Matrix, 1999
Solaris (Solaris, 1972) – Dirigido pelo russo Andrei Tarkovsky, cineasta de estilo reflexivo e existencial, Solaris cruza ficção científica e filosofia. No filme, o psicólogo Kris Kelvin (Donatas Banionis) é incumbido de fazer um relatório sobre a Estação Espacial que está em órbita de Solaris, um planeta distante e pouco conhecido.
O projeto ficou estagnado depois que membros de uma expedição sofreram um acidente. O único sobrevivente, um piloto de helicóptero, afirma ter visto em Solaris árvores, arbustos e uma criança muito grande nadando num oceano. Por conta disso, a Comissão de Inquérito diz que o piloto teve alucinações, provocadas pela atmosfera de Solaris.
Antes de um filme sobre os avanços da tecnologia espacial, Solaris é uma obra que discute, entre outras questões, o que é real e o que é virtual: pode o virtual ser mais real que o próprio real?
É um belíssimo filme, mas exige entrega do espectador, porque, para Tarkovsky, o cinema também é sinônimo de ensaio filosófico.
Solaris foi refilmado por Steven Soderbergh em 2002, com George Cloney no papel de Kris Kelvin.
Solaris, 1972
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