24 de junho de 2010

É a hora do 3D

Bem-vindo a um novo jeito de enxergar o mundo. Nunca, as imagens que saem da tela foram tão realistas. Do sucesso de bilheteria de Avatar e Alice no país das maravilhas à nova geração de TVs que desembarca agora no Brasil, o 3D monopoliza atenções e expectativas. Você está preparado?

Depois de receber um pedido inesperado de casamento numa festa, você foge. Sai correndo atrás de um coelho de casaca que ninguém mais é capaz de ver. O coelho entra num buraco e... Numa longa queda, você vai esbarrando em vários objetos — um piano, livros, uma cama. Tudo isso, na verdade, acontece com Alice, mas às vezes parece mesmo que é com você. Durante a 1 hora e 48 minutos do filme Alice no País das Maravilhas, dirigido por Tim Burton, nenhuma cena é tão impressionante como a da queda da protagonista, vista por trás das lentes de óculos 3D. Na esteira do sucesso de Avatar, de James Cameron, Alice é a mais recente amostra da febre que as imagens em três dimensões vêm causando pelo mundo — no cinema, nas TVs, nos games e até nos vídeos do YouTube.

Alavancado pelas produções cinematográficas e pelos investimentos dos fabricantes de eletrônicos, o movimento do 3D quer se firmar para não ficar apenas em mais uma promessa. Destaque na megafeira Consumer Electronics Show (CES), em janeiro, nos Estados Unidos, as primeiras TVs 3D já estão chegando às lojas brasileiras. Curiosos, os consumidores fazem fila para experimentar a novidade. Só que, exatamente como no caso da TV Digital, não adianta ter só o hardware. É preciso criar conteúdo que justifique o investimento. Será que, nos próximos anos, vamos assistir a filmes, esportes, noticiários e jogar de forma bem diferente da que fazemos hoje? Será que o futuro usa óculos?

Engane seu cérebro

As experiências com 3D no cinema se iniciaram muito antes de Avatar. Elas começaram ainda no século 20, mas nunca se popularizaram. Ver 3D numa tela de duas dimensões, como a do cinema ou da televisão, significa enganar seu cérebro. Ele precisa achar que está vendo as três dimensões e não uma imagem plana. Com os óculos anaglíficos (aqueles das lentes coloridas, azuis e vermelhas), seus olhos recebem imagens em duas camadas, uma de cada cor predominante. Cabe ao cérebro unir as duas, o que dá um pouco de sensação de profundidade.

Nos óculos passivos, usados no cinema atualmente, a imagem é polarizada. Uma placa é aplicada na tela e faz a divisão das imagens, que são enviadas por ondas na horizontal e na vertical. Há ainda os óculos ativos, com pequenas telas LCD como lentes. Nesse caso, seus olhos recebem uma imagem de cada vez, numa velocidade altíssima (de até 480 vezes por segundo). As lentes funcionam como obturadores de máquinas fotográficas e piscam alternadamente. O cérebro também recebe e une as imagens.

Lugar de TV é na sala

Depois de perder espaço para os computadores como centro de entretenimento nos últimos anos, as TVs têm voltado a ser as donas das salas. Estão maiores, cheias de recursos e permitem ver conteúdo da web e assistir a vídeos do YouTube sem sair do sofá. Deixaram para trás os tubos e emagreceram com a adoção dos painéis de LCD e da iluminação por LED. Agora, é a vez das imagens em três dimensões. “O 3D representa um salto tecnológico grande, maior que o da alta definição. Ele simula como enxergamos o mundo”, afirma Fernanda Summa, gerente de produtos da LG. A empresa prepara o lançamento de seus modelos com terceira dimensão no país e pretende vendê-los antes da Copa do Mundo.

A diferença de tempo entre o lançamento no exterior e no país está caindo consideravelmente, o que firma o Brasil na posição de um consumidor de tecnologia avançada. A Samsung e a Sony já colocaram seus modelos em exibição nas lojas, mas por enquanto literalmente apenas para olhar. A Samsung também promete vender os produtos antes da Copa do Mundo, um momento em que o mercado está aquecido. “No Brasil, vendem-se 10 milhões de TVs por ano. Em 2010, as de tela plana vão passar as de tubo, numa proporção de 60% para as primeiras”, afirma Rafael Cintra, gerente sênior da área de TVs da Samsung. Segundo ele, a Copa inverte a sazonalidade do mercado de televisores e as vendas do Natal são antecipadas para o primeiro semestre. A Sony vai esperar a Copa passar, sob a alegação de que aguarda a disponibilidade de mais conteúdo para exibir nas telas de até 55 polegadas.

As principais diferenças das TVs que estão sendo lançadas para as iluminadas por LED que já estão no mercado são a taxa de frequência, que agora chega a 480 Hz, e a presença de transmissores infravermelhos, que sincronizam a TV com os óculos ativos. O consumidor encontrará ofertas de pacotes com a televisão, um player de Blu-ray 3D, um ou dois pares de óculos e um disco de Blu-ray com o lançamento de um filme (a Samsung já anunciou que trará a animação Monstros vs Alienígenas, enquanto a Sony oferecerá Tá Chovendo Hambúrguer). Sim, o arsenal para ver 3D é extenso...

As TVs 3D mais baratas custarão, em média, 6 000 reais. Os preços parecem altos se comparados aos das TVs Full HD que estão no mercado, mas se os aparelhos fizerem tanto sucesso aqui quanto nos Estados Unidos, as fabricantes podem se preparar. “Em uma semana o estoque de um mês acabou lá”, diz Daniel Kawano, analista de produtos da Panasonic no Brasil. A empresa ainda não trouxe nenhum modelo de TV 3D ao país. Está no mesmo grupo da Philips, que anuncia o lançamento mundial de seu modelo na IFA, a maior feira de tecnologia da Europa, no segundo semestre. Enquanto não chegam mais modelos, o consumidor se empolga com o que vê. Algumas lojas da rede Fnac receberam TVs para demonstração e estão cadastrando interessados em prévendas .“O começo está sendo forte e demonstra que as perspectivas dessa tecnologia são boas”, afirma Benjamin Dubost, diretor comercial da Fnac Brasil.

Cadê o conteúdo?

Depois de comprar uma TV 3D, o consumidor vai chegar a sua casa ansioso para mostrar aos amigos a nova aquisição tecnológica. Mas, o que vai exibir? O grande gargalo do modelo hoje é a baixíssima oferta de conteúdo. É a programação dos canais de TV e a oferta de filmes, séries e games que determinarão a adoção dos aparelhos. Ninguém quer investir tanto numa TV para poder ver apenas o único disco de Blu-ray que a acompanha.

Emissoras no mundo todo estão fazendo experiências com o 3D, sobretudo com eventos especiais e transmissões esportivas. É grande a expectativa para a exibição da primeira Copa do Mundo nesse formato, mas ela não será mostrada em três dimensões para todos. Até o momento, apenas Estados Unidos e Espanha devem ver as partidas em 3D ao vivo. Nos outros países, as pessoas deverão acompanhar compactos dos jogos, com os melhores momentos. Isso porque os contratos de transmissão entre as emissoras e a FIFA, organizadora do mundial, não previam o 3D em tempo real. Mas essa questão ainda pode ser revista, diante das receitas que poderiam gerar. Cogita- se, inclusive, a transmissão em 3D em salas de cinema. O canal ESPN International anunciou a exibição de 25 partidas, incluindo todos os jogos do Brasil na primeira fase. As pessoas disputarão quase à tapa um lugarzinho em frente às TVs.

No Brasil, os canais de TV também estão experimentando o 3D. A TV Globo gravou e transmitiu, em parceria com a NET e a Sony, o Carnaval carioca deste ano. O teste contou com três pares de câmeras e foi exibido em alguns locais selecionados. Além do Carnaval, a TV Globo fez experiências com a novela Viver a Vida. Nos dois casos, os resultados foram bons, e o público tem a sensação de participar das transmissões. “O 3D vai chegar mais rápido do que esperamos, mas será primeiro na TV a cabo. Na TV aberta ainda deve demorar alguns anos”, afirma José Dias, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Rede Globo.

A Band firmou uma parceria semelhante para exibir a primeira corrida de Fórmula Indy realizada no Brasil, em São Paulo, no mês de março. O sinal 3D foi enviado a um canal privado e a TVs internas, em camarotes. “Ainda estamos longe de fazer 3D para a TV”, diz José Emílio Ambrósio, diretor-geral de Jornalismo e Esporte da Band. “Inicialmente, as transmissões serão indoor e em canais experimentais”, diz. Para ele, as experiências devem continuar com esportes. A transmissão experimental da Band foi a primeira de 3D em automobilismo no mundo. Outras emissoras estão testando a exibição de partidas do campeonato inglês de futebol e do campeonato mundial de golf. Neste mês, serão feitas experiências de captação e transmissão de partidas de tênis de Roland Garros, na França.

As maiores apostas em transmissão de conteúdo 3D estão em filmes e seriados. Num primeiro momento, provavelmente até o final do próximo ano, as exibições serão pontuais, como sessões especiais. Isso vale também para o cinema. Enquanto Alice no País das Maravilhas faz sucesso no cinema, a próxima grande estreia deve ser apenas com Toy Story 3, em junho, seguido de Shrek Para Sempre, em julho. Entre 2005 e 2008 foram lançados 13 títulos em 3D nos Estados Unidos. Apenas no ano passado foram 18, incluindo o exitoso Avatar, que arrecadou 2,7 bilhões de dólares pelo mundo, a maior parte disso com a exibição em salas 3D. Os lançamentos de discos de Bluray 3D, que devem ocorrer no segundo semestre, devem chegar a 15 títulos até o final do ano.

Por trás das câmeras

Produzir 3D é mais caro e mais complexo que fazer o mesmo em 2D. Todo o processo precisa ser bem planejado, para evitar custos adicionais e retrabalhos na pós-produção. A transmissão também é mais dispendiosa, já que é necessário enviar dois sinais em alta definição, um para cada olho. “Precisamos fazer um dimensionamento da rede, já que o sinal 3D tem o dobro da carga do HD”, afirma Márcio Carvalho, diretor de Produtos e Serviços da NET. “O 3D vai começar a fazer parte da vida dos brasileiros. Ele está indo para dentro de casa”, diz.

Para ele, as experiências com a TV Globo e a Band foram importantes. “Transmitir 3D ao vivo é efetivamente a borda da tecnologia.” De olho no interesse dos consumidores, a NET planeja investir 200 milhões de reais em TV digital durante este ano, o que inclui as verbas para 3D.

O cinema nacional também entrou na onda do 3D. A produtora Casablanca TeleImage está empenhada nas três dimensões desde o ano passado, com filmes, seriados e anúncios publicitários. Entre as produções estão o longa-metragem Brasil Animado, dirigido por Mariana Caltabiano, e a série Tudo é Possível. “Todo o conteúdo para o 3D precisa ser mais bem explorado, para equilibrar o que terá mais profundidade e o que pode saltar da tela”, afirma Marcelo Siqueira, diretor-técnico da Casablanca. “Se o 3D for malfeito ou ficar exagerado, causa desconforto para quem assiste”, diz. Segundo ele, o principal problema enfrentado pelo cinema nacional para fazer mais produções em 3D é o custo elevado.

Com a perspectiva de aumento da produção de conteúdo 3D, algumas empresas se preparam para lidar com a demanda. Os designers Ricardo Pimentel e Elvio Cavalcante abriram há sete meses a MadFX, uma empresa especializada em soluções de 3D, que podem misturar várias mídias. “Estamos apostando no 3D”, diz Pimentel. A estratégia da empresa é reduzir os custos das produções que convergem conteúdo para internet, celular e TV, por exemplo. Eles também atuam na produção de games com fins publicitários, uma área ainda pouco explorada.

Os games e o 3D na web

Enquanto falta conteúdo dos canais de TV, o espaço ocupado pelos games cresce. Muitos deles permitem o jogo em 3D sem adaptações, pois estão em formatos compatíveis. Antes mesmo das TVs, os gamers já aproveitavam as três dimensões no computador, usando a plataforma 3D Vision, da NVidia, lançada no ano passado. O modelo usa um conjunto formado por uma placa de vídeo GeForce, com os óculos ativos e o transmissor de infravermelho, combinados a um monitor com frequência de 120 Hz. “A maioria dos 12 milhões de consumidores desse mercado no Brasil joga games casuais”, diz Richard Cameron, country manager da NVidia no país. Além do conjunto para jogos em 3D, a NVidia vai lançar um software que permitirá rodar os discos de Blu-ray 3D no computador e exibir na TV 3D. Para isso, será preciso fazer algumas trocas de hardware, já que a placa de vídeo precisará ter o padrão para os cabos HDMI 1.4, usados no 3D. Ainda assim, o pacote para 3D via computador custa menos que o combo TV, Blu-ray player 3D, óculos e mais um filme — 7 367 reais.

Além dos games, os vídeos em 3D na internet também deverão estar entre as primeiras experiências das pessoas com três dimensões fora do cinema. No YouTube, já há milhares de experiências feitas pelos usuários. “Uma das mais interessantes que vi foi de médicos que filmaram em 3D uma cirurgia cerebral”, diz Peter Bradshaw, engenheiro de software no YouTube. Foi ele que criou o canal 3D para o site, no ano passado, ao perceber que alguns usuários já subiam vídeos no formato. “É um bom momento para o 3D na web. As pessoas têm mais acesso aos equipamentos que precisam para gravar e assistir aos vídeos”, diz. Para ele, as experiências estão indo além do que imaginavam, incluindo vídeos até para o padrão de óculos ativos. O sucesso do 3D na web pode ajudar — e muito — a consolidação do formato. É só colocar os óculos.

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